top of page

O futuro das cooperativas passa pela inovação: transformar com propósito, isso é inovação nas cooperativas

Atualizado: 26 de ago.


O cooperativismo brasileiro, com raízes profundas na solidariedade econômica e na organização social, tornou-se um dos pilares do desenvolvimento regional e da inclusão produtiva. Com mais de 4.800 cooperativas registradas e cerca de 20 milhões de cooperados, o modelo tem mostrado vitalidade econômica e relevância social. No entanto, essa força não o exime de riscos. O avanço das tecnologias, a transformação do comportamento do consumidor e as novas dinâmicas de mercado impõem desafios que não podem mais ser ignorados. Nesse contexto, inovar deixou de ser opção: tornou-se imperativo de sobrevivência.


A tradição, por si só, não é um problema, mas pode se tornar uma âncora quando impede a adaptação.


igor-drudi-congresso-brasileiro-cooperativas
Palestra "TOMADA DE DECISÃO BASEADA EM DADOS" no 15° CBC Congresso Brasileiro de Cooperativas em Brasilia

Muitas cooperativas, ao se apoiarem excessivamente nos valores fundadores, acabam resistindo a mudanças estruturais que poderiam alavancar sua competitividade. E essa resistência nem sempre é consciente: ela se manifesta em processos burocráticos, estruturas hierarquizadas e lideranças que evitam riscos. O resultado é um ambiente que preserva a estabilidade, mas inibe a experimentação e o aprendizado.


Por outro lado, a inovação no cooperativismo não deve replicar modelos empresariais tradicionais. Ela precisa dialogar com os princípios da cooperação, respeitar os ritmos coletivos e gerar valor para os cooperados. Isso significa criar uma abordagem própria de transformação, que una estratégia, propósito e protagonismo das pessoas. Não basta aplicar metodologias da moda: é necessário adaptá-las à lógica cooperativista, respeitando seus valores, suas limitações e seu imenso potencial de impacto.


Desafios culturais e a reinvenção do papel da liderança


Um dos principais entraves à inovação nas cooperativas está nas suas lideranças. Em muitas organizações, as decisões ainda são tomadas de forma reativa, com foco no curto prazo e na manutenção da operação. Quando o futuro é percebido como ameaça — e não como possibilidade — a inércia se torna confortável. Isso não significa que os líderes cooperativistas não sejam comprometidos, mas sim que, muitas vezes, faltam ferramentas, repertório e segurança para liderar a transformação.


Desenvolvimento de lideranças para a inovação - igor-drudii
Workshop de desenvolvimento de lideranças para a inovação - Coopercarga

Reinventar esse papel exige formação contínua, mas também coragem institucional para criar espaços de escuta, diálogo e experimentação. A liderança cooperativista precisa deixar de ser gestora de rotinas e passar a ser promotora de visões. E isso não se aprende apenas em cursos: se constrói na prática, ao lidar com incertezas, ao conduzir mudanças culturais e ao inspirar equipes em momentos críticos. Em nossas experiências conduzidas em cooperativas de logística e crédito, programas de liderança que aliaram conteúdo prático, mentorias e imersões provocaram mudanças comportamentais profundas em níveis estratégicos.


Outro ponto central é entender a inovação como processo e não somente algo eventual. A mudança não ocorre em um workshop ou numa semana de inovação. Ela exige continuidade, monitoramento e capacidade de reorientação. Cooperativas que têm implementado ciclos curtos de planejamento, revisões trimestrais de prioridades e monitoramento de OKRs têm conseguido maior alinhamento estratégico e foco nas entregas.


Trata-se de uma lógica mais adaptativa, em que o plano estratégico deixa de ser um documento engessado e passa a ser uma bússola em constante recalibração.


Soluções possíveis para transformar sem perder a essência


Inovar dentro de uma cooperativa não é apenas uma decisão técnica ou um modismo de mercado. É, sobretudo, uma escolha estratégica sobre como crescer sem abandonar os princípios que sustentam o cooperativismo. Nesse sentido, algumas soluções metodológicas têm se mostrado especialmente eficazes para dar conta dessa dualidade entre tradição e renovação.


Gestão ágil, planejamento estratégico adaptativo, modelagem de negócios centrada nas pessoas e desenvolvimento de lideranças transformadoras são caminhos possíveis e já testados. Mais do que ferramentas, são formas de pensar e operar que, quando bem conduzidas, respeitam a identidade da coop e impulsionam sua relevância no futuro.


Gestão ágil: ritmo, clareza e foco coletivo

Implementar gestão ágil em uma cooperativa exige mais do que aplicar métodos como Scrum ou Kanban. Trata-se de estabelecer um novo ritmo de trabalho, mais adaptável e conectado com as prioridades reais da organização. O ponto de partida, geralmente, é identificar áreas onde há lentidão na tomada de decisão, excesso de burocracia ou acúmulo de tarefas nas lideranças. Nesses contextos, o modelo ágil cria uma cadência mais leve e eficiente de planejamento, execução e revisão.


Um exemplo prático é a criação de times multifuncionais, com representação de diferentes áreas ou núcleos de cooperados, que atuam em ciclos curtos (sprints) com objetivos claros.


Palestra - Sicoob - Igor Drudi
Palestra Inovação no evento de celebração do Programa de Inovação Corporativa do Sicoob Transcredi

Essa abordagem reduz o retrabalho, melhora a comunicação e torna visível o progresso. Além disso, promove uma cultura de aprendizagem contínua, onde erros são tratados como insumos para melhorias — algo essencial em estruturas acostumadas à aversão ao risco.

A gestão ágil também transforma a relação com metas. Em vez de planos anuais que perdem relevância ao longo do tempo, as equipes trabalham com entregas de valor mais frequentes, que podem ser validadas e ajustadas em tempo real. Isso devolve às cooperativas a capacidade de resposta rápida às mudanças do ambiente, especialmente importante em contextos como o agro e o crédito, onde sazonalidades e regulações mudam com frequência.


Planejamento estratégico ágil: direção sem engessamento


Diferente dos planos estratégicos tradicionais, pesados, inflexíveis e muitas vezes esquecidos em gavetas, o planejamento estratégico ágil propõe ciclos mais curtos de reflexão, priorização e ação. A base dessa abordagem é o conceito de "direção clara com espaço para adaptação". O objetivo é manter a organização alinhada em torno de um propósito comum, mas com liberdade para ajustar os caminhos conforme as condições mudam.


A implementação pode começar com a criação de OKRs (Objectives and Key Results), definidos de forma colaborativa pelas lideranças e validados com os cooperados. Esses objetivos são acompanhados de resultados-chave que orientam as entregas e permitem avaliar avanços. Ao adotar esse modelo, uma cooperativa de saúde, por exemplo, pode definir um objetivo como “Ampliar o acesso digital aos serviços” e medir resultados como “lançar dois canais digitais até o final do trimestre” ou “reduzir em 25% os atendimentos presenciais”.


igor-drudi-treinamento - lideranças - unimed - design thinking
Workshop de Design Thinking com lideranças da Unimed

Essa abordagem ajuda a reduzir a distância entre o plano e a operação. A cada trimestre, as equipes revisitam os OKRs, avaliam o que funcionou e o que precisa mudar, ajustando metas com base na realidade. Isso gera senso de urgência saudável, engajamento coletivo e clareza sobre onde concentrar esforços, algo especialmente útil para cooperativas que precisam lidar com múltiplas frentes ao mesmo tempo, como expansão, sustentabilidade e renovação de base de cooperados.


Modelagem de produtos e negócios: relevância e diferenciação


A modelagem de produtos e negócios parte de uma premissa simples e poderosa: entender profundamente as necessidades dos cooperados e desenvolver soluções que façam sentido em sua realidade. O processo geralmente começa com mapeamento de jornadas e escuta ativa, envolvendo cooperados, técnicos e lideranças. Ferramentas como o Design Thinking e o Business Model Canvas são utilizadas para visualizar problemas, gerar ideias e prototipar soluções.


igor drudi-painel-unicred
Mediando painel na Convenção da Unicred

Em cooperativas do setor agro, por exemplo, essa abordagem tem revelado oportunidades para diversificação de portfólio, agregação de valor e reposicionamento de marca. Um caso recorrente é o desejo de agregar valor ao leite in natura: ao invés de competir apenas por preço, cooperativas podem desenvolver linhas de produtos com apelo nutricional, rastreabilidade e identidade regional. Isso só é possível com uma modelagem de negócio alinhada com as tendências de consumo e com a capacidade operacional da cooperativa.


Outro exemplo está em cooperativas de crédito que buscam se diferenciar em meio à concorrência com fintechs. A modelagem de novos serviços, como carteiras digitais, linhas de crédito para inovação ou serviços financeiros com foco socioambiental, passa por validar hipóteses com pequenos grupos de cooperados antes de escalar. Isso reduz risco, economiza recursos e gera valor real.


Mais do que criar novos produtos, o processo de modelagem ensina a cooperativa a pensar como laboratório vivo, onde a escuta, o teste e a adaptação passam a fazer parte da cultura.


Formação de lideranças: da manutenção à transformação para a inovação nas cooperativas


O desenvolvimento de lideranças cooperativistas precisa ir além dos treinamentos formais. É necessário criar uma jornada formativa contínua que articule três dimensões: autoconhecimento, visão de futuro e capacidade de mobilização. Isso começa com um diagnóstico claro sobre o papel que essas lideranças exercem atualmente, muitas vezes centrado na gestão da rotina, e sobre o papel que precisarão exercer para conduzir a inovação.


Um caminho eficaz é combinar momentos de formação teórica com experiências práticas, mentorias e desafios aplicados ao contexto da cooperativa. Em uma cooperativa de crédito, por exemplo, o processo começou com rodas de conversa para identificar crenças limitantes sobre inovação. Depois, foram criados grupos de trabalho com líderes de diferentes áreas para desenvolver projetos reais de transformação, desde digitalização de serviços até reorganização de núcleos de atendimento.


O aprendizado veio da prática, não do discurso.


Formar líderes nesse novo cenário significa também criar espaço para vulnerabilidade e escuta. Muitas lideranças cooperativistas foram formadas para manter o que já existe e não para transformar. Por isso, é essencial promover encontros com outros líderes do ecossistema, estimular trocas entre diferentes gerações e criar referências sobre o que significa liderar com visão estratégica em tempos de mudança acelerada.


palestra - igor drudi - cooperativas - ocb
Palestra sobre inovação em evento das cooperativas da OCB - MT

Essa mudança de mentalidade é talvez a mais difícil — e a mais urgente. Sem ela, qualquer tentativa de inovação vira um projeto isolado. Com ela, a cooperativa se transforma de dentro para fora, guiada por pessoas que sabem onde querem chegar e têm ferramentas para conduzir os outros até lá.


Com esses desdobramentos, mostramos como cada solução é implementável e transformadora, respeitando a lógica do cooperativismo, seus desafios históricos e seu potencial de futuro.


Conectar método, cultura e visão de futuro


Essas abordagens não funcionam como fórmulas prontas — nem devem. Seu valor está na capacidade de dialogar com a cultura de cada cooperativa e promover transformações com sentido, ritmo e profundidade. Ao integrar estratégia com experimentação, gestão com escuta ativa e tecnologia com propósito, essas soluções criam um ambiente fértil para a inovação contínua.


Mais do que resolver problemas pontuais, elas ampliam a capacidade das cooperativas de se reinventarem sem abrir mão da sua essência. E é justamente nesse equilíbrio entre passado e futuro que reside o maior potencial de transformação do cooperativismo.


Estratégia, método e coerência com o DNA cooperativo


A gestão ágil tem se mostrado uma ferramenta potente quando adaptada ao contexto cooperativo. Mais do que seguir modelos importados, o que se tem feito é adaptar princípios, como transparência, cadência, multidisciplinaridade e validação rápida, à realidade local. Isso significa, por exemplo, que squads cooperativos podem ser formados com representantes de diferentes núcleos de cooperados, integrando visões diversas num processo de cocriação.


Esse modelo já foi testado com sucesso em cooperativas de saúde, que enfrentaram o desafio de lançar novos produtos em meio à pandemia com prazos e recursos limitados.


A modelagem de novos negócios também ganha espaço como alavanca de renovação. No setor agro, por exemplo, a demanda por produtos com rastreabilidade, valor nutricional e origem controlada tem impulsionado cooperativas a repensarem seus portfólios. Em experiências com cooperativas de leite no Centro-Oeste, jornadas de Design Thinking com produtores, técnicos e consumidores resultaram na criação de MVPs com identidade regional e foco em saudabilidade. A inovação aqui não foi só de produto — foi de narrativa e posicionamento, com impacto direto na competitividade.


A digitalização também avança, mas seu valor depende do quanto ela é centrada no cooperado. Não adianta implantar sistemas modernos se eles não dialogarem com a experiência cotidiana do usuário. Cooperativas de crédito têm desenvolvido aplicativos, canais de atendimento e plataformas de gestão com foco na autonomia do cooperado e na simplicidade. O desafio está em equilibrar segurança e usabilidade, mantendo o vínculo humano que é marca do cooperativismo. Para isso, é essencial incluir o cooperado no processo de desenvolvimento, não apenas como usuário final, mas como cocriador.


O papel estrutural do Sescoop e do Sistema OCB


Nenhuma inovação acontece no vácuo. O papel do Sescoop e do Sistema OCB tem sido fundamental para fomentar, apoiar e consolidar a transformação nas cooperativas. Seja por meio de programas de formação, financiamento de projetos ou articulação política, essas instituições funcionam como plataformas de desenvolvimento. O grande diferencial está na capacidade de criar uma infraestrutura para a inovação, conectando atores, distribuindo conhecimento e garantindo que o aprendizado não fique restrito a poucas experiências isoladas.


O apoio institucional é ainda mais relevante quando se trata de medir impacto.

Uma das grandes lacunas nas cooperativas que iniciam suas jornadas de inovação é a ausência de indicadores claros. O que se quer transformar? Como saber se estamos no caminho certo? O uso de métricas ágeis, KPIs e indicadores de impacto socioeconômico começa a ganhar força, mas ainda é um campo em construção. O desafio está em criar sistemas de avaliação que respeitem a complexidade das cooperativas e traduzam resultados qualitativos em valor percebido pelos cooperados.


Outro ponto que merece destaque é o potencial da intercooperação como motor de inovação. O cooperativismo não é apenas um modelo de negócio, é uma rede viva de colaboração. Quando cooperativas se conectam para compartilhar práticas, desenvolver soluções conjuntas ou acessar mercados de forma colaborativa, o resultado é exponencial. Projetos de intercooperação tecnológica, como hubs de inovação regionais, têm demonstrado que a força coletiva pode acelerar o desenvolvimento de soluções que nenhuma coop isolada conseguiria sozinha.


Por fim, vale lembrar que a inovação mais potente não é aquela que vem de cima para baixo, mas sim a que emerge da base. Quando os próprios cooperados protagonizam processos de mudança, seja propondo melhorias, testando novas ideias ou participando da gestão, o cooperativismo se renova de dentro para fora. O desafio está em criar mecanismos institucionais que estimulem essa participação ativa e reconheçam o valor da sabedoria prática, do saber coletivo e da criatividade cotidiana.


Um pacto cooperativo pela inovação


Se a inovação é um imperativo, ela também pode ser uma oportunidade de renovação do próprio pacto cooperativo. Mais do que adaptar-se ao mercado, trata-se de reimaginar o cooperativismo como vetor de um novo modelo econômico: mais justo, mais colaborativo, mais sustentável. Isso exige sair da zona de conforto, repensar papéis, revisar processos e ousar imaginar futuros diferentes.


O maior risco, hoje, não está em errar tentando inovar, está em permanecer igual enquanto o mundo muda. A estagnação, além de comprometer a sustentabilidade das cooperativas, as afasta das novas gerações. Atrair juventude, diversificar públicos e ampliar a participação exige linguagem nova, ferramentas atuais e abertura a novas formas de cooperar.


O futuro do cooperativismo depende da sua capacidade de se conectar com essas demandas emergentes.

É hora de agir com estratégia, coragem e compromisso. A inovação no cooperativismo não precisa copiar modelos empresariais — ela pode ser profundamente original, enraizada na colaboração, na confiança e no protagonismo coletivo. Esse é o chamado: transformar para permanecer relevante. E, principalmente, inovar para continuar cooperando com sentido.


Igor Drudi

Igor Drudi

CEO Drin Inovação

@igordrudi

Comentários


Home | Blog | Post

bottom of page