Carreiras em W ( não-lineares) viraram o novo normal
- Igor Drudi
- 22 de abr.
- 7 min de leitura
Durante muito tempo, a ideia de sucesso profissional esteve associada a uma trajetória previsível: estagiar, ser promovido a analista, depois coordenador, gerente, até chegar à sonhada diretoria. Esse caminho linear moldou gerações inteiras, reforçado por empresas, escolas e até pela cultura pop. Mas, nos últimos anos, algo começou a ruir de forma silenciosa, porém profunda. A escada corporativa tradicional não explica mais a complexidade das escolhas, desejos e desafios que marcam o mundo do trabalho contemporâneo.
Hoje, vemos cada vez mais pessoas seguindo trajetórias híbridas, fluidas e até contraditórias. Profissionais que abandonam cargos de liderança para empreender, criadores de conteúdo que antes eram consultores ou executivos, e indivíduos que acumulam múltiplas funções em diferentes ecossistemas. Essa nova lógica rompe com o modelo antigo, e inaugura uma nova era: a das carreiras não-lineares.
Esse fenômeno está longe de ser passageiro. Ele vem sendo impulsionado por uma combinação de fatores sociais, culturais, econômicos e tecnológicos. Neste artigo, vamos mergulhar nos principais vetores dessa transformação, mostrar como ela afeta as relações de trabalho e oferecer insights para quem deseja construir (ou reconstruir) uma trajetória mais autêntica, estratégica e alinhada aos novos tempos.
Fricção do modelo tradicional com as carreiras não-lineares
Um dos principais motores dessa mudança é a rejeição ao "script corporativo" tradicional. A pandemia, o burnout e os movimentos massivos de demissão, especialmente na indústria de tecnologia, provocaram uma espécie de despertar coletivo. Muitos perceberam que seguir o caminho padrão não garante mais estabilidade, propósito nem realização. Com isso, profissionais seniores passaram a deixar suas posições em grandes empresas para empreender, atuar como freelancers, consultores, criadores de conteúdo ou mentores. Alguns, inclusive, optam por ser tudo isso ao mesmo tempo.
Esse movimento também ganhou força com a ascensão da creator economy e da gig economy, que democratizaram o acesso à monetização de talentos e conhecimentos. Plataformas como YouTube, Substack, Notion, Hotmart, Gumroad, TikTok e Instagram permitiram que profissionais transformassem suas especialidades em produtos digitais. Não é raro encontrar executivos que hoje têm canais de conteúdo, vendem cursos, prestam consultoria e palestram em eventos, funcionando como microempresas com múltiplas fontes de renda.
A ideia de ter uma multi-identidade profissional deixou de ser vista como confusa ou instável, e passou a ser valorizada como sinal de adaptabilidade e repertório. Uma pessoa pode ser Head de Growth em uma startup durante o dia, dar mentorias à noite, escrever um livro e ainda vender um curso de storytelling online. A pergunta não é mais "o que você faz?", mas "o que você entrega e para quem?". Isso reflete uma mudança profunda na forma como as pessoas narram suas competências e constroem autoridade.
Ao mesmo tempo, está em curso uma nova definição de sucesso.
Liberdade de tempo, impacto local, saúde mental e autonomia se tornaram métricas tão (ou mais) importantes do que promoções e salários. Segundo pesquisa da Deloitte (2023), 44% dos jovens da Geração Z preferem empregos que ofereçam bem-estar e propósito, mesmo que com menor remuneração. Isso dá origem a trajetórias mais erráticas, com pausas, recomeços, mudanças de rota e experiências não convencionais que, juntas, compõem uma narrativa coerente e potente.
Outro elemento fundamental é a valorização do impacto sobre o tempo. Ter dez ou quinze anos de experiência já não é garantia de destaque. O que importa agora é a capacidade de resolver problemas, gerar valor e compartilhar aprendizados. Profissionais que sabem traduzir sua trajetória em narrativas estratégicas, seja em um portfólio, no LinkedIn ou em palestras, têm mais chances de se destacar do que aqueles com currículos extensos, porém mal contados. Nesse novo jogo, saber contar sua história é uma habilidade essencial.
Modelos de carreira: do Y ao Mosaico
Por muito tempo, a carreira foi pensada de forma vertical: crescer era sinônimo de subir na hierarquia. Esse modelo, conhecido como carreira em escada, premiava promoções e títulos. Porém, com a transformação do mercado e das relações de trabalho, outros formatos começaram a emergir, oferecendo alternativas para profissionais que querem crescer sem, necessariamente, virar gestores ou seguir caminhos tradicionais. Entre os modelos mais populares, estão as carreiras em Y, W, T, Z e o conceito mais recente de carreira não-linear, também chamada de carreira mosaico.
A carreira em Y surgiu como uma resposta à rigidez da escada corporativa. Ao atingir determinado nível técnico, o profissional pode optar entre seguir para a gestão de pessoas (ramo gerencial) ou aprofundar-se como especialista técnico (ramo técnico). Isso evita a perda de talentos que não têm interesse em liderar equipes, mas querem continuar crescendo. O modelo valoriza profundidade e foco, mas ainda mantém uma certa previsibilidade e linearidade no percurso.
Já a carreira em W evolui o conceito do Y, incorporando um terceiro caminho: o de gestão de projetos. Aqui, o profissional pode alternar entre papéis técnicos, gerenciais e de projetos, com flexibilidade para se reposicionar de acordo com suas habilidades e interesses. É um formato especialmente valorizado em empresas com cultura ágil ou em áreas como TI e inovação, onde liderar não significa necessariamente gerir pessoas, mas sim liderar entregas e processos.
A carreira em T se refere ao profissional que tem profundidade em uma área específica (a haste vertical do T), mas também desenvolve conhecimento lateral em áreas complementares (a barra horizontal). É muito comum em ambientes multidisciplinares, onde saber colaborar com outras funções é tão importante quanto ter especialização. Essa abordagem favorece os "profissionais híbridos", que navegam bem entre competências distintas — algo cada vez mais necessário no cenário de negócios atual.
Por fim, temos a carreira não-linear ou carreira mosaico, que rompe com todos os formatos tradicionais. Ela permite múltiplos movimentos: laterais, diagonais, de pausa, retorno, empreendedorismo, múltiplas fontes de renda e reinvenções. Não há um roteiro fixo, e o sucesso é definido de forma subjetiva, com base em propósito, impacto, liberdade ou equilíbrio de vida. É o modelo que mais cresce atualmente, especialmente entre profissionais da economia criativa, empreendedores, freelancers e criadores de conteúdo.
Modelo | Características | Vantagens | Desvantagens | Perfil Ideal |
Carreira em Escada | Linear e vertical, baseada em promoções hierárquicas. | Clareza de caminho e metas bem definidas. | Pouca flexibilidade e dependência da estrutura organizacional. | Profissionais que valorizam estabilidade e hierarquia. |
Carreira em Y | Permite escolher entre liderança de pessoas ou aprofundamento técnico. | Valorização de especialistas sem forçá-los à gestão. | Limita a atuação a apenas dois caminhos principais. | Especialistas ou líderes em potencial. |
Carreira em W | Adiciona a trilha de gestão de projetos à bifurcação do Y. | Mais possibilidades e mobilidade entre funções. | Pode gerar confusão sobre papéis e expectativas. | Profissionais multifuncionais ou de áreas ágeis. |
Carreira em T | Profundidade técnica + visão lateral de outras áreas. | Incentiva colaboração e aprendizado contínuo. | Requer alto investimento em desenvolvimento pessoal. | Híbridos, criativos e interdisciplinares. |
Carreira Mosaico | Múltiplas trajetórias paralelas ou sequenciais, não previsíveis. | Alta liberdade, autenticidade e autonomia. | Exige boa gestão pessoal, narrativa clara e pode gerar instabilidade. | Empreendedores, freelancers, criadores, consultores. |
Apesar dos avanços, os novos modelos de carreira trazem seus desafios. Um deles é o viés de instabilidade. Muitos recrutadores ainda veem com desconfiança currículos com muitas mudanças ou experiências paralelas. É um conflito entre o novo espírito do tempo e uma lógica de contratação ainda ancorada no antigo modelo. Por isso, é essencial trabalhar a narrativa da trajetória de forma clara, conectando pontos e explicando as escolhas com coerência.
Outro risco é a fadiga do multi. Ao tentar abraçar múltiplos papéis e projetos, muitos profissionais acabam se sobrecarregando e entrando em burnout criativo. A pressão para “ser tudo” — mentor, criador de conteúdo, consultor, gestor, influenciador — pode ser insustentável. É preciso estabelecer limites, priorizar o que realmente faz sentido e evitar cair na armadilha da performance constante.
Existe também uma desconexão entre discurso e entrega real. O boom de carreiras múltiplas deu origem a uma onda de promessas vazias, cursos com conteúdo raso e consultorias pouco consistentes. Isso cria um ruído no mercado, onde nem sempre é fácil separar quem realmente tem repertório de quem apenas sabe se vender. A sustentabilidade dessa nova lógica depende de integridade, entrega real e aprendizado contínuo.
No horizonte, vislumbramos uma transformação ainda mais profunda. Os currículos tradicionais devem dar lugar a portfólios modulares, compostos por projetos, entregas e resultados. Ferramentas como LinkedIn, Behance, Medium e Notion ganham força como vitrines de autoridade. Ter marca pessoal será tão importante quanto ter uma formação sólida. Cada profissional será, em alguma medida, sua própria agência.
A gestão da carreira também se tornará mais proativa e personalizada. Apps de produtividade, templates de organização (como os do Notion), planners de marketing pessoal e plataformas de automação ajudarão a desenhar trajetórias de forma estratégica. Isso exigirá do profissional uma mentalidade de projeto: visão de longo prazo, organização de prioridades e capacidade de adaptação constante.
Por fim, veremos a curadoria de experiências como diferencial competitivo. Saber conectar diferentes fases da vida, extrair aprendizados e transformar isso em ativos de valor será um trunfo poderoso. A soma das partes pode ser maior do que a linearidade do todo. Quem souber contar boas histórias — que comuniquem propósito, entregas e singularidade — terá vantagem num mercado em que a reputação importa tanto quanto o currículo.
Construa a sua própria narrativa
As carreiras não-lineares não são mais uma exceção — elas estão se tornando a nova regra. E isso não é apenas uma mudança estética: trata-se de uma transformação estrutural, que redefine o papel do trabalho na vida das pessoas. Para os empreendedores, talentos criativos e profissionais em transição, esse é um chamado à ação: o momento é agora.
Nesse novo cenário, não existe mais um único caminho. Há múltiplas rotas possíveis — e todas legítimas, desde que conectadas com valores pessoais, propósito e impacto real. Construir uma carreira deixou de ser uma escalada e passou a ser uma composição: um mosaico de experiências, entregas e reinvenções. Quem conseguir unir autenticidade, estratégia e consistência terá mais chances de prosperar.
Por isso, mais do que seguir um modelo pronto, o desafio é construir uma narrativa própria. Seja criando conteúdo, prestando serviços, empreendendo ou misturando tudo isso, o importante é saber contar a própria história de forma clara, estratégica e alinhada com os tempos líquidos que vivemos. Afinal, no mundo das carreiras não-lineares, quem não se conta... não se encontra.

Igor Drudi
CEO Drin Inovação
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